quinta-feira, 30 de agosto de 2012

MANADAS-TERREIROS-URZELINA

Ao fim de deambular pelo casario estreito de Manadas, fui ter à Igreja de Santa Bárbara e ao porto, onde muita laranja e vinho dali saíram para o exterior. A fachada não permite antever a riqueza barroca do interior do templo que serviu de aconchego durante a crise sísmica de 1964, quando se rezava dia e noite pelo fim do pesadelo. A partir dali, encontrei a costa recortada em patamares de rocha vulcânica, sobretudo a partir do porto de Terreiros e até à Urzelina. calheta velas 9 calheta velas 10 calheta velas 11 calheta velas 12 calheta velas 13 calheta velas 14 calheta velas 15
calheta velas 7

MANADAS LÁ EM BAIXO

CALHETA VELAS 6 Deste miradouro à beira da estrada já vejo a costa recortada de Manadas lá em baixo. Em breve, descerei por um caminho de terra e andarei a cirandar pelas ruas estreitas até chegar à igreja e ao porto.

DA CALHETA ÀS VELAS POR ESTRADA

Um dos maiores prazeres desta caminhada é ir caminhando ao lado do Pico e ir assistindo às suas metamorfoses durante um par de horas porque as nuvens nunca dão tréguas e vão mexendo na paisagem, ora sombreando ora abrindo uma clareira de luz quanto mais não seja para saudar a passagem do barco Inter-Ilhas. Um fenómeno engraçado e simpático na caminhada junto à estrada é o número de automobilistas que para a perguntar se quero boleia. CALHETA VELAS 1 CALHETA VELAS 2 CALHETA VELAS 3 CALHETA VELAS 4 CALHETA VELAS 5

NA OFICINA DE RAIMUNDO LEONARDES, NO TOPO

Raimundo Leonardes, construtor de violas da terra, Topo, São Jorge No Topo, não tive apenas o prazer de falar com os baleeeiros e de seguir uma viagem do bote São José graças ao convite da Associação local Cachalote. Visitei também a oficina do jovem construtor de violas Raimundo Leonardes. raimundo 3 O sonho de Raimundo é um dia ter a sua oficina de violas e que seja passível de visitação. Por enquanto, trabalha com o pai na ampla oficina de carpintaria à entrada da pequena freguesia e ao final do dia dedica-se às violas, seja a viola da Terceira, seja a viola da Terra ( cinco parcelas, 12 cordas, escala rasa e dois corações). Raimundo aprendeu o que sabe com o pai e mais tarde aperfeiçoando sozinho. “Desde miúdo que vinha para a oficina fazer pequenas coisas, caixinhas, ajudar…depois vim da tropa, criou-se este espaço novo e começámos a trabalhar bastante na carpintaria para a construção civil”. O pai de Raimundo, no entanto, sempre se interessou pelas violas. “Ele fez um instrumento a partir de uma construída por um amigo, Manuel Goulart, emigrante nos Estados Unidos. Ainda usou essa forma mais umas três ou quatro vezes mas era muito grande”. raimundo 2 Mais tarde, começaram as pesquisas. “Começámos a ver as violas construídas pelo António Inácio Brasil, que construíu muitas aqui no Topo. Fomos buscar alguns exemplares e começámos por aí. Foi esse o ponto de partida”. Nos anos 90, quer a construção de violas quer a realização de bailes regionais onde estas fossem usadas, estagnou. “Em 1995, o meu pai começou a fazer algumas para gente das outras ilhas ou alguém de São Jorge”. Raimundo passou a dedicar-se mais aos instrumentos em 2005: “Foi a partir desse ano que me dediquei mais, que criei outro modo de trabalho e que comecei a tentar aperfeiçoar os métodos. Foi muito importante, por exemplo, conhecer o professor Lázaro Silva, da Terceira. Pediu-me uma viola que fosse de encontro às suas exigências, levou-me a pesquisar mais.” Raimundo, que até determinado momento só construía a chamada viola da Terra, começou a construír para a Ilha Terceira violas terceirenses, com as suas seis parcelas e 15 cordas. “Até hoje, sempre que recebo encomendas da Terceira, são pedidos de violas tradicionais de lá”. raimundo 4 Raimundo tem construído para o mercado regional, seja para São Miguel e São Jorge, seja para o mercado da emigração. “Também me pedem e faço reparações mas ultimamente não tenho tido tempo. Tenho encomendas para fazer”. Na ilha, tocadores como António Enes ou Luís Melro elogiam o trabalho do jovem Raimundo. Luís, que toca e manda nos bailes de roda, usa mesmo uma viola construída na oficina do Topo. raimundo%20e%20rafael[1] Raimundo com o tocador micaelense Rafael Carvalho (foto Rafael Carvalho)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

COM OS BALEEIROS DO TOPO

Porto do Topo, Ilha de São Jorge. Um fim de tarde benigno permite a um grupo de homens jovens saír para o mar da ponta leste da ilha com o São José, um bote baleeiro que é uma réplica de um antigo que acabou soterrado ali perto. A Associação Cachalote, associação de defesa do património do Topo, restaurou-o e pretende agora criar na freguesia uma núcleo museológico. bote s jose bote s jose 2 O bote São José evolui ao sabor das ondas do fim da ilha, o ilhéu do Topo ao fundo. Os homens saem com ele para praticar, como desporto e se prepararem para regatas de botes baleeiros. Lá em cima, sentados no muro do porto, estão dois dos oito ex-baleeiros do Topo ainda vivos. Assistem às manobras de longe e indicam onde tudo se passava no seu tempo. “Ali ao fundo eram as caldeiras onde se derretia o óleo. Onde está agora o bar”, afirma Augusto Correia, 82 anos, “Depois o tanque onde se guardava tudo era lá em cima, não me pergunte porquê. Acartavamos bidons de 200 litros cheios de óleo até lá acima, à espera que viesse o barco buscar. Eram vários, o “Furnas”, o “Girão”. Quando chegavam, tínhamos de carregar tudo para baixo outra vez”. Bote São Jose 1 A baleação no Topo acabou em 1965. “Chegaram a ser arreados três botes aqui no porto do Topo”, conta Eduardo Borba, outro ex-baleeiro. “Por fim havia só um, o Maria Deolinda. Eu arreei com 16 anos, a fugir ao cabo do mar. Íamos para o mar do Pico, para o norte da Terceira, para onde elas andavam”. eduardo Borbabaleeiros Topo O Topo era então uma freguesia muito pobre. A caça à baleia atraía todo o tipo de pessoas e o que se ganhava vinha ajudar a sobreviver. “Ninguém trabalhava só na baleação. Vínhamos para aqui às 8h00 da manhã todos os dias para que se houvesse baleia saíssemos depressa. Se não aparecia baleia, cada um ía à sua vida, uns íam amanhar a terra, outros trabalhar de carpinteiros”, conta Borba. O pai de Augusto Correia, por exemplo, era oleiro,um oleiro micaelense que um dia assentou arraiais no Topo. “Era de Vila Franca do Campo. Um primo dele arreou à baleia. Tinha onze filhos. Para sustentar famílias dessas era preciso trabalhar em tudo o que aparecesse. Muitas das famílias do Topo viviam da baleia”. A mercearia fiava às famílias dos baleeiros. “Só se pagava quando se recebia. Em dois anos, ganhei três mil escudos. A minha mãe foi à loja pagar. Quando regressou a casa, vinha toda contente com uma nota de mil escudos na mão, daquelas da Dona Maria e um quilo de açúcar. Até os olhos brilhavam: “A vossa mãe pagou tudo o que estava a dever e o senhor ainda me ofereceu um quilo de açúcar”. Respondi-lhe eu: “Mãe, esse quilo está pago há muito”. Como outros baleeiros noutras ilhas, Augusto e Eduardo ganhavam muito pouco. Balearam em novos e acabaram por ir trabalhar noutras actividades mais lucrativas e mais seguras. “Fui para o mar pescar,andei seis ano na pesca da albacora (atum), andei a construir casas e a caiar,sachei muito milho”. Actualmente, fala-se muito em criar um núcleo museológico sobre a baleação no Topo e Augusto Correia só quer ouvir falar na construção do núcleo ali. “Ora se a baleação era aqui, é aqui que o museu deve ficar. Já fui a uma reunião onde se falava em construir o núcleo numa freguesia do norte da ilha onde nunca se caçou a baleia. Não contem comigo para maisreuniões…” Augusto Correia

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

NO TOPO

No mesmo dia em que caminhei grande parte do tempo à chuva e sob nevoeiro, cheguei ao Topo, na ponta oriental de São Jorge sob sol e com a felicidade de poder mergulhar no mar, junto à piscina natural que fica por debaixo do farol e com vista para o Ilhéu do Topo. TOPO 4 TOPO 1 TOPO 2

SANTO ANTÃO-TOPO

S ANTÃO 3 S ANTÃO 2 S ANTÃO 4

BAILE NA SOCIEDADE DE SANTO ANTÃO

baile 1 Uma fiada de lâmpadas ilumina a rua e a fachada da Sociedade Recreativa de Santo Antão, em São Jorge. Umas horas largas depois da garraiada, algumas dezenas de pessoas sentam-se em círculo num amplo salão com palco num dos fundos e um primeiro balcão no outro. Como é costume, o baile começará tarde. São 23h00 e o que se sabe é que os “músicos” continuam a ensaiar no piso de cima. São todos filhos da terra e vêem ali tocar por amor à causa. “Não levam nada por vir tocar”. Um deles é Luís Melro, 59 anos, que não larga a sua viola da terra construída na oficina do construtor local Raimundo Leonardes, do Topo. Luís é de ali perto, do Cruzal e começou a tocar nos bailes há muito tempo, quando os bailes ainda ocorriam apenas pelas matanças do porco. “Era em Janeiro, durante a matança do porco e organizado pela família que matava o porco”, explica Luís. No livro “São Jorge” (Trechos da Nossa História), Frederico Maciel conta como acontecia noutra freguesia, a do Norte Grande: “Havia bailes durante uma semana” porque toda a família tinha a sua matança do porco e consequentemente baile. Algumas pessoas vinham a pé vestindo as melhores roupas mas poupando os sapatos dentro de uma saca para o baile. Os homens colocavam gravata e algumas raparigas rosas de papel. Iam e vinham a pé de casa para o baile e vice-versa. Dançava-se o que ainda se dança hoje, bailes de roda mais lentos e a mais rápida chamarrita, em quatro ou oito pares. Tal como hoje, os músicos (viola da terra, violão, violino) entregavam a roda nas modas mais lentas e tocavam fora durante a chamarrita. Para poderem ir dançar e namoriscar a outras freguesias, a maioria dos rapazes procurava aprender a bailar, normalmente ao fim dos dias de Inverno. Alguns tocadores, conta ainda Frederico Maciel, “só deixavam entrar na roda quem sabia bailar”. Já antigamente, os bailes começavam tarde (pelas 10h00), à luz de candeias, candeeiros de petróleo ou velas. Os donos das casas ofereciam doces regionais (rosquilhas fervidas, esquecidos) juntamente com aguardente. “Os tocadores e cantadores”, narra Frederico Maciel, “ recebiam uma açorda com aguardente ou vinho quente com água e açúcar”. Luís Melro, um dos músicos que anima o baile em Santo Antão nessa noite, é desse tempo mas está feliz de ver a tradição regressar em força. “Houve uma época em que os bailes estavam a fracar e faltavam tocadores. A emigração levou muitos”. Luís Melro também esteve fora, oito anos em Turlock, Califórnia, Estados Unidos. “Quando voltei havia quem tocasse viola aqui em Santo Antão mas não havia quem mandasse na roda do baile. Comecei a mandar no baile e dei aulas no Topo e aqui. Apareceu muito pessoal. Agora há muitos tocadores e muitos bailes regionais”. Os bailes que dantes se realizavam pelas matanças do porco em Janeiro, realizam-se agora na força do Verão porque é quando há mais tocadores e afluência devido aos emigrantes que visitam a ilha. Já passa das 23h00 quando os tocadores descem as escadas da sociedade e entram no salão sob a expectativa e os olhares ansiosos de casais sentados nas cadeiras encostadas à parede pejada de retratos que marcam momentos importantes da instituição. Com Luís, vem o irmão, Isidro Melro, no violino, Geraldo, bandolim e Hermenegildo, no violão. bailes 3 A roda forma-se e o baile começa enquanto lá do outro lado, os mais novos jogam bilhar, vêem televisão, bebem minis de cerveja ou conversam na esplanada no exterior, junto a um assador que larga fumo para o negrume da noite de Santo Antão. O baile, que ganha contornos mais frenéticos e exigentes durante a chamarrita, prolonga-se pela madrugada e ninguém parece com pressa de regressar a casa, apesar de se tratar da noite de domingo para segunda. Baile de roda, Santo Antão, São Jorge baile 4 A tradição está de novo enraizada na Ilha de São Jorge, circula em dvd’s que os emigrantes levam para a América do Norte e reproduzem nas sociedades na diáspora. “Eles organizam lá fora os bailes exactamente como aqui ou melhor ainda”, contam. Luís Melro está feliz. Apresenta um jovem que ensinou não apenas a tocar viola da terra mas “a mandar” durante o baile de roda. Em pelo menos uma moda, será o rapaz a mandar, com a voz assertiva, sincopada e forte que se pede a um mandador. baile 1 baile 5

GARRAIADA

Regressei a Santo Antão para assistir ao baile regional na Sociedade Recreativa mas acabei a assistir ao final de uma garraiada em pleno campo. Era domingo de Agosto, muitos populares empoleirados nos muros em pedra, muitos "americanos" e boa disposição em redor de uma venda onde circulavam quase sempre minis de cerveja. garraiada 1 garraiada 4garraiada 2 garraiada 3

SANTO ANTÃO

Passo uma fábrica de fumeiro fechada e abandonada e uma grande fábrica de queijos em actividade até chegar a Santo Antão onde espreito nas vidraças da Sociedade Recreativa e descubro que daí a uns dias vão ali realizar uma baile regional. Aponto num papel porque é algo que eu quero assistir há muito. S ANTÃO 1

SÃO TOMÉ

Envolto em nevoeiro, São Tomé é um lugar quase fantasma quando lá passo vindo da Fajã de São João. Naquela zona, passam de vez em quando os tractores. Animais, vacas, cavalos assomam na neblina. Uma ou outra voz ecoa ao longe, nos campos cobertos pela névoa ou de dentro de uma ou outra casa. Em recolhimento, sob o manto fantasmagórico e húmido do nevoeiro, a ilha parece mais ilha. S TOME 3 s tOME 1 S TOME 2

FAJÃ DE SÃO JOÃO-SÃO TOMÉ

No calor e humidade do dia anterior, a subida em ziguezague da Fajã de São João até São Tomé teria sido insuportável. Com chuva moderada e neblina, acabou por ser agradável. Ainda parei no único café da fajã. O dono impeliu-me a ir pela estrada, a dona queria que eu explorasse um pouco mais a costa. Decidi-me a avançar encosta acima e a lançar miradas sobre a fajã, o canal e o Pico, sempre o Pico. S Jorge 27 s jorge 24 S jorge 26

FAJÃ DE SÃO JOÃO SOB CHUVA E NEVOEIRO

Sob o nevoeiro, o mundo já de si exíguo e fechado sobre si de uma fajã encolhe-se ainda mais. Rumo ao cais da Fajã de São João onde um homem grande, boné, botas de pescar, estende os ombros largos para pescar à linha. Dois outros homens saem rápidamente de um carro para inspeccionar umas obras. Dão uma mirada ao cimento do cais. Eu estou ali pelas ondas bravias do mar e por todo aquele verde, eles estão ali pelo cimento. Dizem qualquer coisa a um jovem que trabalha silenciosamente um muro em pedra e voltam ao abrigo do carro, ladeira acima. f de s j fs j 3 s jorge 23 f s j 2