VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
quinta-feira, 23 de agosto de 2012
MEMÓRIAS DA FAJÃ DO SANGUINHAL
Na sequência do sismo de 1980, muitas fajãs, sobretudo no norte da ilha de São Jorge, foram evacuadas e os seus habitantes incentivados a não regressar devido à instabilidade das arribas. Duas delas, a leste da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, a Fajã Redonda e a Fajã do Sanguinhal despertam ainda hoje muita curiosidade porque ainda lá repousam muitos edifícios abandonados de uma época que não volta mais.
Na Ribeira Seca, no bairro em tempos construído para realojar os desalojados, encontrei Manuel Lourenço e a esposa, dos poucos sobreviventes do Sanguinhal que restam ali.
"O Sanguinhal? Tinha os seus barcos, telefone, correio, igreja", conta Manuel Lourenço, escutado pela mulher, que vai dando pequenas achegas de vez em quando. "Quando eramos novos havia lá muita gente a pescar e no campo, vivia-se das duas coisas."
A vida na Fajã do Sanguinhal era uma vida de isolamento rural, à luz do candeeiro a petróleo, entre a pedernia. "Trabalhava-se de enxada da manhã à noite o milho, a batata, o inhame, tomate, melancias, melão. Era muito trabalho. Penava-se muito".
Também se cultivava a vinha. "Fazia-se muito vinho e havia muitas adegas. A aguardente do Sanguinhal corria por essa ilha fora e para a América. Íam lá viajantes comprar`aos potes de cada vez. Tinhamos carros de bois na fajã para acartar as uvas"
Para saír da Fajã do Sanguinhal, ía-se a pé por trilhos. "Para irmos à missa na Igreja da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, era hora e meia para cada lado. A escola era na Fajã Redonda (hoje igualmente abandonada. Para saír para o resto da ilha, era a muito custo. Não havia caminhos como hoje. Para o fim, já havia um burro para ajudar a fazer o carreiro até à Caldeira de Santo Cristo".
Para poder chegar à carreira de camioneta que às quartas e sextas atravessava a ilha do topo às Velas, tinham de subir um carreiro a pé até lá bem acima, na Serra do Topo.
Quando do sismo de 1980, muitos habitantes já tinham emigrado, sobretudo para o Canadá. "Era difícil viver debaixo daquelas rochas" explica Manuel Lourenço. "Quando veio o abalo, estavamos poucos. Não podíamos saír porque as veredas fecharam. O helicóptero foi lá duas vezes. Acabou-se. O abalo fechou aquelas terras todas. Ainda lá voltei, já só havia faias e silvado, as casas caídas. Deixámos lá 10 alqueires de campo e um de arvoredo e vinha. Tudo abafado pela pedra".
Manuel Lourenço: "A aguardente do Sanguinhal corria por essa ilha fora e para a América"
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