VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
sábado, 4 de agosto de 2012
O ÚLTIMO LATOEIRO
A pequena oficina do bairro São João de Deus, em Angra do Heroísmo, recheada de objectos os mais diversos em lata é o mundo de José Rocha Lourenço, 82 anos. Um universo feito de formas de queijo, cornucópias, lamparinas, um mundo mágico que só ainda não desapareceu porque José teima em o manter vivo.
A esposa faleceu, José sofreu um enfarte no último inverno que o obriga a fazer fisioterapia todos os dias, os outros latoeiros fecharam ou faleceram. O que leva este homem a manter-se ali, na acanhada oficina com vista para um pequeno quintal de manhã à noite? “Só me sinto bem aqui, vou à cidade mas é aqui que sou feliz.”
Pega num pequeno papel manuscrito com encomendas para mostrar o que tem para fazer. “Já tenho isto aqui tudo para fazer esta noite”. É como se ele se obrigasse a nunca parar. “Todos os domingos estou a vender na Feira do Gado, na Vinha Brava, já vendi muito mais mas ainda vendo, formas de queijo, formas de queijadas da Graciosa, tudo…eu bem quero ir depressa mas tenho de ir devagar”.
O pai de José Lourenço foi quem decidiu que seria latoeiro. “Ele era latoeiro e decidiu que um irmão meu ía para barbeiro e eu para latoeiro. Comecei aos 13 anos na Ribeirinha a trabalhar com ele e depois em 1980, no ano do terramoto, passei para aqui”. Aqui é uma pequena sala onde a luz entra por pequenas janelas em madeira branca e onde as mesas estão repletas de pedaços de lata. A um canto, há uma maquina com mais de cem anos e retratos emoldurados de um Sporting de outras eras, artigos de jornal e uma edição de uma revista do jornal “Diário Insular” cuja capa foi José, o último latoeiro. A edição encheu-o de orgulho. “E veio aqui a televisão, o senhor não viu?”
José Lourenço vai a uma das prateleiras ou abre um velho armário. “Isto aqui é uma cruzeta de petróleo. As mulheres usavam-na para levar à boca de fogo e ver se o pão estava cozido ou usavam quando estavam a fazer renda”. Depois, pega em formas: “Estas são formas de fazer bolachas, estas outras são de fazer donuts”. No armário, escondem-se um rol de apetrechos que enchem e preencheram a vida inteira de José Lourenço. “Este é um rolo para a massa de milho, isto são conchas de encher as moagens de farinha”.
Por todo o lado existem conchas de lata, lampiões em lata, tabuleiros em lata para colocar as queijadas…da Graciosa.
José Rocha Lourenço tem consciência que é o último na Ilha Terceira de uma mão cheia de latoeiros. “Só na cidade, eramos muitos, na Guarita, na Rua do Galo, na Rua da Sé, em São Pedro, casas de um só latoeiro e oficinas com vários empregados. Quando eu acabar, acaba a arte”.
José foi à escola secundária ensinar. “Ninguém aprendeu, eles não querem saber disto para nada. Dá muito trabalho. O senhor imagina o trabalho que leva a fazer um regador?”
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