terça-feira, 24 de julho de 2012

OS ÚLTIMOS BALEEIROS DA TERCEIRA

baleeiros 1 Durante a minha estadia na Ilha Terceira e enquanto caminhava pela ilha, pernoitei sempre na Pousada da Juventude, na Ponta do Negrito, em São Mateus. Hoje o Negrito é sobretudo uma zona balnear mas em tempos arrastou-se para ali muita baleia. Um pouco mais à frente, na direcção de Angra, no núcleo museológico dedicado à pesca da baleia, no Porto de São Mateus, encontrei-me com antigos baleeiros. Os últimos. Contadores de histórias de pobreza, botes virados e muita adrenalina. baleeiros 3 Sentam-se junto aos botes do núcleo museológico ali inaugurado em 2009 e trocam memórias, por vezes em despique, duvidando de um ou outro pormenor do parceiro: “Eh home, tu nãoestavas lá…” Responde o outro: “Estava sim senhor. A baleia foi trancada evirou para terra, veio descontrolada até ao areal da Praia (Praia da Vitória)”. Os homens entram em diálogo. Um de entre eles aponta para uma foto a preto e branco das muitas que forram de memórias uma parede: “Está a ver este aqui em cima desta baleia? Era meu tio, era trancador de baleia. Chegou a levar com a boca de uma baleia mas sobreviveu…” baleeiros 4 A baleação começou na zona nos finais do século XIX. No livro “Subsídios para a História de SãoMateus da Calheta”, Libuino Borba refere a existência já em 1891 da Parceria Marítima de Pesca à Baleia, a funcionar na vizinha baía do Negrito. Ali se desmanchava e derretia a baleia enquanto os botes e os homens partiam de São Mateus. 13 Para a História ficou o encontro em Julho de 1895 do Príncipe Alberto do Mónaco com os baleeiros de São Mateus. O príncipe aportara a Angra no iate de recreio “Princesse Alice” e no dia 18 de Julho avistou perto de São Mateus dois botes baleeiros. Seguiu-os até assistir ao arpoamento da baleia, mandou laçar a mesma pela cauda e rebocou-a até ao Negrito. No dia seguinte, o príncipe regressou num bote ao Negrito para assistir ao desmantelamento da baleia. Mais tarde, descreveria tudo num capítulo de umlivro, “La Carriere D’Un Navigateur”, que publicaria em Paris em 1901. baleeiros 2 Em São Mateus, a baleação perdurou até 1973. Homens como Francisco Silveira, 77 anos ou António Pimentel Jacques, 76, andaram na actividade não mais do que sete anos cada um. “Não ganhávamos quase nada. Íamos para o mar cheios de fome, chegávamos ao porto com uma fraqueza medonha e só recebíamos ao ano, quando as contas eram feitas”, conta Silveira. António Pimentel começou aos 25 anos. “Eu andava ao mar à pesca do chicharro e passávamos o dia, das 6h00 às 5h00 da tarde à espera de ouvir o foguete do vigia”. Quando os botes íam para dentro de água atrás da baleia, não havia grandes contemplações: “Os botes a balear nem pareciam da mesma armação, pareciam contrários!”. Largou a actividade porque era arriscada e pouco ganhava para comer. “Era uma miséria”. Uma vez,entre São Jorge e a Terceira, a baleia rebentou a proa do bote onde seguia António: “Trancámos a baleia mas a linha torceu no cepo. A baleia puxou,rebentou o cepo, rebentou a proa, foi tudo por aquele mar abaixo. Fui eu e maistrês para o mar cortar a linha. Nadei para o outro bote, este levou mais umarpão para perseguir a baleia”. baleeiros 6 Até 1952,quando um ciclone destruiu as estruturas junto à baía do Negrito, a baleia era desmantelada e derretida ali. “ A baleia era arrastada para ali e esperava-se a maré vazia para a puxar para terra. Era cortada e derretida em três caldeiras. Depois,passou a ser levada para o Pico. “Vinha a lancha do Pico buscá-las”. Ultimamente,não é difícil avistar baleias perto da costa, a acreditar nas palavras dospescadores de São Mateus. “Ainda há dias estava a fazer pescaria e vi uma apassar. Parece uma montanha a fazer um arco por cima da água. Mete respeito”,explica um. baleeiros 5

FESTAS DA IRMANDADE DE ESPÍRITO SANTO DA RUA DE BAIXO, SÃO PEDRO, ANGRA DO HEROÍSMO

Na semana passada, acompanhei as festividades do Divino Espírito Santo na Irmandade da Rua de Baixo, em São Pedro, Angra do Heroísmo. "Na cidade o Espírito Santo começa mais tarde. Normalmente, onde começa mais cedo, em Maio, é nas zonas rurais do lado oeste da ilha, na Serreta, no Raminho", explicou-me um dos mordomos, Paulo Gores, 37 anos. Este ano, ele e um pai organizaram a festa. "E aqui também existem diferenças. Não fazemos os bodos e o bodo de leite que organizamos é de noite por causa das pessoas terem os seus trabalhos durante o dia na cidade. A tradição era de manhã". 73 "Aqui a festa é muito diferente", explica Paulo, "no campo as pessoas têm as suas coisas, cada um oferece do que produz. Aqui fazemos dois peditórios, um em Março e outro uma semana antes da festa. No campo, organizam as "funções" (refeições com a sopa do Espírito Santo) para 300, 400 pessoas, aqui chamamos-lhe a "Ceia dos Criadores". 74 80

A COROAÇÃO

Domingo é o dia da Coroação. As Coroas são abençoadas na Igreja e retornam ao Império nas cabeças dos mordomos. O calor é mais que muito. 82 75 79 78 77 76

IMPÉRIO DA RUA DE BAIXO, SÃO PEDRO, ANGRA

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JANTAR DOS CRIADORES

Na cidade ou pelo menos na Irmandade da Rua de Baixo, a "Função" é apelidada de "Jantar dos Criadores". A carne foi abençoada dois dias antes. Durante todo o dia são confecionadas as Sopas de Espírito Santo, servidas à noite para um manacial de irmãos, alguns dos quais não se vêem há algum tempo. É uma ocasião de festa, de comunhão. As pessoas vão entrando com alguma sofreguidão mas não faltam lugares nem comida, generosa, abundante. 22 21 37 39 20 36 A Coroa onde são deixadas as ofertas 38 A Sopa de Espírito Santo

JOÃO LEONEL, "O RETORNADO",CANTADOR, POETA POPULAR: "ISTO É UM DOM"

17 "Isto de cantar ao desafio é um dom que nasce com a gente”, conta-me o taxista e poeta popular João Leonel, conhecido como o “Retornado”, pouco antes do´início do Pézinho da Irmandade da Rua de Baixo, em São Pedro, Angra do Heroísmo. É um dos cantadores presentes e é seguramente um dos maiores cantadores da Terceira. 16 “Não se aprende, isto é um dom que nasce com a pessoa. Nasci assim, poeta popular. Depois, fui desenvolvendo o repentismo com os mais velhos. Mas não é fácil o improviso. O Vitorino Nemésio tentou improvisar com o Charrua (considerado o maior cantador de sempre) e despistou-se. Não tinha o poder do improviso…” Leonel conta que há tempos estava no restaurante angrense “Adega Lusitânia” a cantar com Eliseu, outro cantador e na plateia encontravam-se alguns continentais. “Era gente da alta, uns tinham vindo jogar golfe, doutores. Não estavam a acreditar que eu improvisava no momento. Eu pedi à guia turística o nome de alguns dos de maior destaque, improvisei sobre eles, aí já perceberam..” No grupo, conta ainda Leonel, encontrava-se um poeta. “Ouviu a sextilha com muita atenção e disse que era capaz de fazer também. Eu chamei-o, coloquei-o entre mim e o Eliseu, o Eliseu fez a sextilha…O homem faz o primeiro terceto, desistiu…” Para que o desafiador não levasse a mal, Leonel disse: “Se acaso merecer castigo/ cantando a alta nobreza/ é por não saber o que digo/ perdoem-me por gentileza/ porque eu não passo de um mendigo/ da gramática portuguesa”. O outro levantou-se e foi dar-lhe um abraço. Leonel é herdeiro juntamente com muitos outros- João Ângelo, Eliseu- de uma tradição muito antiga. Simplesmente, antigamente os improvisadores cantavam na moda da chamarrita, usando só duas rimas na quadra, a redondilha. Rimavam apenas o segundo verso com o quarto. Quando passaram para as quatro rimas onde se rima o primeiro com o terceiro e o segundo verso com o quarto, aperceberam-se que a chamarrita era demasiado apressada. O tempo não era o ideal para o cantador pensar os próximos versos. Terá sido José de Sousa Brasil, o “Charrua”, a criar com o tocador Laureano Correia dos Reis a “moda do Charrua”. Essa moda adaptou-se ao desafio e a chamarrita passou para os bailes de roda. 18 Natural do Curato da Ribeira Seca, município de S. Sebastião, onde nasceu em 1944, filho de um lavrador, João Leonel começou a sentir o “dom” para as cantigas na escola. Vasculhava tudo o que fosse livro com rimas. Participou nas Danças de Carnaval pela primeira vez com 12 anos. Um tio, que era o mestre da dança ou “puxador” não sabia ler e Leonel era quem lia as cantigas para ele as decorar. Um dia, descobriu que uma das cantigas não rimava. A princípio não queriam acreditar na palavra do garoto de 12 anos. A verdade é que a quadra não rimava. Leonel escreveu o primeiro texto de Carnaval aos 13 anos e aos 14 anos estreou-se a cantar ao desafio. “Naquele tempo não era fácil porque havia um elenco de cantadores mais velhos e não davam espaço aos mais novos. Se me apanhassem em cima do palco esfregavam-me todo…” Foi para Angola cumprir o serviço militar, regressou, casou e voltou para lá. Foi camionista e mais tarde montou um café e uma mercearia em Melange, no norte. “Estive lá 10 anos. Só voltei como retornado, em 1975”. Tinha 31 anos. Não ficou muito tempo. Em 1977 foi cantar à Califórnia a uma festa de emigrantes e acabou por lá ficar até 1981. Quando finalmente assentou de vez arraiais na Terceira, alguns cantadores tinham emigrado e outros falecido. “Passei a ter o meu lugar garantido”. Hoje, diz Leonel, o público da cantoria mudou. “A plateia é mais culta, mais exigente e se eu falhar uma rima toda a gente vai dizer “o Retornado falhou uma rima”. Cantar ao desafio com os veteranos, que já o conhecem, também é mais fácil: “Se eu cantar com um veterano, a meio da cantiga já sei como vai acabar. Quando é com um mais novo, tenho de o deixar acabar…” O maior de todos os tempos, na opinião de Leonel, foi o Charrua. “É a minha opinião. Cantei com ele os últimos cinco anos da vida dele e espicaçava-o em palco. Dizia-lhe “já acabaste”. Ele sentia-se picado e respondia. Foi o melhor de todos”. Sendo um dos mais velhos, Leonel está mais que habituado a todo o tema que possa aparecer em cima do palco. Normalmente, começa por se cantar em honra do santo padroeiro da zona e depois entra-se em diálogo com o outro cantador. O público, sobretudo os mais velhos, sentam-se me cadeiras que levam propositadamente para a frente do palco e ouvem com muita atenção. Não toleram ruído nas primeiras filas. Cantam-se amores e desamores, a vida e a morte e tudo o que venha à baila. “Dizemos a brincar coisas sobre os políticos que a sério não poderíamos dizer. Somos o porta-voz dos que não têm voz”. Daí a pouco, João Leonel será um dos cantadores a participar no Pézinho da Rua de Baixo. “Quem ajuda na festa do Divino Espírito Santo, gosta de um obrigado. É isso que fazemos. As pessoas destacaram-se na festa, nós cantamos ao desafio à porta de casa deles. Claro que temos de ter alguma informação sobre eles. Normalmente, o mordomo dá-nos alguma informação mas nós também vamo-nos apercebendo do que deram…” Antes de seguir para o Pézinho, Leonel faz uns versos no momento: “O tempo fez-me promessa/ de vivermos em comum/ só que o tempo teve pressa/ e não me deu tempo nenhum”. 31

sexta-feira, 20 de julho de 2012

PÉZINHO

A páginas tantas, um casal de turistas alemães quer saber o que se passa ali à frente de uma casa, com tantos cantadores, músicos e populares. Sou convidado para tradutor improvisado. Os dois turistas acabam a entrar na casa e a comer como toda a gente. "Beer? Sumo? Juice? Coma amigo, diga-lhes que esteja como se estivessem em casa deles". 33 34 leonel

PÉZINHO NA IRMANDADE DA RUA DE BAIXO, SÃO PEDRO, ANGRA

Quinta-feira, dia 12 de Julho, foi o dia do Pézinho dos Bezerros, que se inicia com o lançamento de um foguete. Cantadores e tocadores dirigem à porta das casas dos que mais contribuíram para a festa. Os cantadores improvisam quadras em que enaltecem o valor dos de casa, da sua solidariedade, da sua integridade. Por vezes, atingem-se momentos emocionais fortes, como à porta de uma mercearia. Um dos cantadores é precisamente o neto do dono. No fim de cada cantoria, todos, incluindo os circunstantes, são convidados a entrar para comer e beber. 25 32 24 30 27

A TENTAR CHEGAR AO PICO DA LAGOÍNHA PELO LESTE

No dia seguinte, retomei a caminhada na zona da Lagoa das Patas, segui até à Gruta de Natal, fechada aquela hora da manhã, aproveitei para fotografar o cenário idílico da Lagoa do Negro e redondezas e segui para norte, numa tentativa de contornar o Pico Rachado e chegar pelo leste ao Pico da Lagoinha, que continuo a conhecer apenas de fotografia. Passei grande parte dessa tarde a perder-me em incontáveis caminhos florestais até, os músculos das pernas a pedirem rendição, decidir desistir e descer até ao Raminho, na costa norte. De uma das vezes, subi até umas pastagens perto do Pico Rachado. "Anda perdido?", perguntou um lavrador acompanhado pelo filho, a tratar de umas vacas perto do cume. 69 68 70 "Aqui para cima já não vai a mais lado nenhum". Resultado: Trouxeram-me para baixo à boleia na caixa aberta da carrinha. Já cá em baixo, o lavrador explicou detalhadamente como devia fazer para chegar à Lagoínha: "Até um tanque de água para as vacas, depois à esquerda e depois de novo à esquerda..." Claro que me perdi ( continuo teimosamente a não usar GPS) e passei o resto da tarde a caminhar por diferentes cenários de floresta até ir ter a uma canada com o nome sugestivo de Canada de Trás do Pico, de onde já se via a torre da igreja do Raminho. 67 65 64 63

TOUROS OBSERVADORES

Os touros observam-nos ao longe, até ao dobrar da esquina. Na estrada, assisti a um grupo de pessoas que saíu de um carro, depois de apitar furiosamente e os começou a chamar para tirar fotografias. Mas a manada subiu a encosta e desapareceu. Com excepção da "Terra Brava", no centro da ilha, onde o trilho atravessa território taurino, os touros por lá andam em terrenos pertencentes a ganadarias e delimitados por muros. Esta foto foi tirada quando eu já descia para São Bartolomeu. 62

"ÉS AMIGO DO RUBEN?"

Da zona da Lagoa das Patas até São Bartolomeu e mais tarde São Mateus, ao fim do dia, pude ir apreciando as nuances da ilha. As pastagens e os touros, seguindo-me com olhares bruscos e guerreiros ao longe, mais tarde a floresta, os cedros, e mais tarde ainda os primeiros milheirais, as primeiras casas, os cães a ladrar esticando a corrente ao limite. As incontáveis canadas delimitadas pelos muros em pedra fazem da última parte do trajecto um labirinto. Crianças brincam junto aos muros brancos à luz do fim da tarde. Uma observa-me, calada e depois pergunta, uma, dua, três vezes: "És amigo do Ruben? És amigo do Ruben?" 60 58

quinta-feira, 19 de julho de 2012