terça-feira, 29 de janeiro de 2013

POÇO DO BACALHAU

Enquanto caminho da Ponta da Fajã à Fajã Grande, vou observando as várias quedas de água que se desprendem da montanha. A mais acessível da estrada e impressionante, é a da ribeira das Casas que termina no Poço do Bacalhau Flores 95 Flores 97 Flores 96

EM CASA DO INVESTIGADOR MARÍTIMO JOÃO GOMES VIEIRA

João Gomes Vieira vem a descer a rua que desce da Igreja da Ponta da Fajã Grande em direcção a sua casa, envolto num cenário verdejante onde pontuam quedas de água que se despenham das alturas. “Venha meu amigo, vamos conversar”, diz João Gomes Vieira, à medida que nos vamos aproximando da casa que mantem na Ponta da Fajã Grande e onde tudo ali remete para o mar, os navios, as memórias de naufrágios, da baleação. Filho e neto de baleeiros, escritor, investigador, fundador do Museu das Flores, um homem profundamente ligado ao mar, vive ali numa zona palco de baleação, naufrágios e tragédias marítimas. Membro da Academia da Marinha, consultor do Museu da Baleia de New Bedford, João António Gomes Vieira recebeu no passado dia 10 de Junho, a insígnia de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. J G VIEIRA 1 Entro numa sala pejada de memórias marítimas. Do tecto em madeira desprendem-se alinhadas umas às outras dezenas de canecas. “Esta casa”, explica João Gomes Vieira, “é feita com madeira de salvados de navios. Estas portas aqui são do navio RMS Slavonia”. O RMS Slavonia, um enorme navio transatlântico pertencente à britânica Cunard Line viajava entre Nova Iorque e Trieste, na Itália quando, em Junho de 1909, alguns passageiros terão pedido ao comandante para ver as ilhas. Envolto em nevoeiro, o navio acabaria por naufragar perto da costa das Flores entre o Lajedo e a Costa do Lajedo. Os cerca de 600 passageiros salvaram-se graças à ajuda das tripulações de dois navios transatlânticos alemães e de muitos florentinos. O Slavonia levou meses a afundar e muitas peças do navio foram retiradas por locais. Aos poucos, João Gomes Vieira foi recolhendo, encaminhando para o Museu. Algumas, guarda naquela preciosa sala da Ponta da Fajã Grande. “Veja, esta papeleira de bordo também pertencia ao Slavonia”. JG VIERA 3 J G VIEIRA 2 Na sala, guarda também salvados de outros navios que naufragaram na zona. “São peças que estavam abandonadas nas casas da ilha e que eu fui guardando”. Uma, por exemplo, pertencia a um navio grego que naufragou em 1967 perto da Ponta da Fajã. Outra pertence à barca Bidart. “A Bidart vinha da Nova Caledónia carregada de minério de níquel com 110 dias de viagem em 1915 e encalhou perto da fajã Grande”. Nunca deixando a sua ilha mas viajando pelos Açores, pelo continente e pelos Estados Unidos, João Gomes Vieira dedicou uma grande parte do seu tempo à investigação da história e da vida marítima. Na série de sete livros “O Homem e o Mar”, o investigador florentino escreve sobre a cultura marítima açoriana. Das embarcações dos Açores do início do povoamento à inventariação do património marítimo, das histórias dos lobos do mar açorianos à baleação, cabotagem, construção naval em madeira, Vieira investiga tudo. Entre as suas recolhas, encontra-se um glossário baleeiro recolhido nas Flores e inúmeras fotos, muitas de particulares, outras dos Arquivos Públicos dos Açores. Filho e neto de baleeiros, João Gomes Vieira gosta de dizer que “o mar é e melhor escola de formação de um homem. “A minha família veio para aqui há sete gerações”, conta, enquanto caminhamos na Ponta da Fajã, “viemos do Alentejo, de Viana do Alentejo a mando do Rei D. Manuel I”. O bisavô de João Vieira Gomes foi um dos florentinos que embarcaram nos navios baleeiros que paravam nas Flores para abastecer. “Embarcou aos 17 anos, atravessou o Cabo Horn, o Alaska, esteve em São Francisco. Voltou mais tarde para a ilha, investiu em terrenos, ganhou dinheiro, morreu em 1907”. Na família, muitos foram para os Estados Unidos como baleeiros, primos, tios. O pai de João Vieira Gomes foi o último dessa enorme rede de oficiais baleeiros na família. “O meu pai apesar de oficial baleeiro sabia que a luta no mar era muito desigual e nunca quis que fossemos para a baleação. Não contava as suas proezas. Só muito mais tarde, no final da vida me foi contando…” Embora a sua profissão fosse em terra, Vieira Gomes sonhava com o mar. “Aproveitava cada viagem em trabalho para trazer peças para o museu. Fui muitas vezes no Transal (o avião da missão francesa nas Flores) a Santa Maria e a Lisboa e vinha carregado de cartas de navegação, livros…Enfim, desde rapazinho que guardei bússolas, binóculos. Uma paixão”. Flores 92 Flores 94

A FAJÃ ONDE FOI PROIBIDO VIVER

A Ponta da Fajã é um lugar idílico mas considerado perigoso desde que a 19 de Dezembro de 1987 uma derrocada destruiu uma casa, uma capela e uma garagem. Os 50 habitantes foram obrigados a deixar o lugar mas aos poucos os mais teimosos e que ali sempre viveram, regressaram, um regresso que tem algumas semelhanças com o que aconteceu em São Jorge na Fajã da Caldeira de Santo Cristo ( ali a fajã foi evacuada quando do sismo de 1980 mas os habitantes voltaram). Sentado à porta de casa, pouco depois da Igreja, encontrei Manuel da Ponte. “Não gosto da Fajã Grande, toda a vida aqui vivi e é aqui que eu gosto de estar. Era uma vida difícil. Essa montanha estava cheia de arames para trazer lenha e ração para o gado em cestos. Cultivávamos a terra toda. Agora estou cá eu e mais meia dúzia”. Não tem medo? “Não, as “quebradas” não atingem esta zona, a maioria das casas não estão em perigo. Só uma ou duas que estão abandonadas é que estão mais perto da encosta. Ali à frente vê-se uma “quebrada”. Foi há pouco tempo e não atingiu nada nem ninguém”. Flores 87 Flores 88 Flores 91 Flores 90 Flores 89

NA PONTA DA FAJÃ GRANDE

A travessia levou-me a um patamar onde temos o mar lá embaixo, a rocha do lado esquerdo e uma fatia de caminho atapetado a verde com vista para a Ponta da Fajã Grande. O sol já estava a esmaecer quando lá cheguei. Nesta altura do ano, são poucos os habitantes do lugar, uma ponta de terra que cai abruptamente sobre o mar, cercada por montanha verde de onde caem uma, duas, três, quatro quedas de água, a última das quais é a mais conhecida, o Poço do Bacalhau. No meio do cenário, a Igreja branca da Nossa Senhora do Carmo. Flores 84 Flores 85 Flores 86

DERROCADA NO TRILHO PERTO DA PONTA DOS FANAIS E ILHÉU DE MONCHIQUE

Avistei primeiro o Ilhéu de Monchique. A seguir, vi lá ao fundo espetada até às rochas abrutas que se erguem em frente ao mar, a Ponta da Fajã. Foi pouco depois que o trilho desapareceu engolido por uma derrocada. A rocha quebrou lá no alto e uma torrente de lama, pedra e água cobriu o que dantes era o trilho entre Ponta Delgada e a Fajã Grande. Fui saltando de obstáculo em obstáculo, enterrando as botas na lama, saltando de pedra em pedra, procurando escorregar o mais possível. Quando consegui ultrapassar a primeira frente de derrocada ou “quebrada”, não via o trilho. Tive de atravessar um mar de conteiras, saltar uma árvore derrubada para descobrir uma nova frente de derrocada que me fez lembrar os corta-fogos do continente. Ainda pensei na hipótese de descer por ali até junto ao mar mas acabei por recuperar o trilho uns saltos entre pedras e mato mais à frente. Flores 82 Flores 81 Flores 83

POR CIMA DA QUEBRADA NOVA, COM VISTA PARA O ILHÉU DE MARIA VAZ

Flores 77 A determinada altura, o trilho chega junto à falésia. A vista é soberba sobre a Quebrada Nova, por baixo, o Ilhéu De Maria Vaz, a Ponta do Albarnaz e o Corvo ao fundo, do lado direito. Valeu a pena atravessar ribeiras, lama, pedras escorregadias para ali chegar. Aquela zona da costa, uma das mais difíceis das Flores, já foi palco de muita emigração clandestina e de recolha de sargaço. No seu livro "Ilha das Flores-Roteiro Histórico e Pedestre", Pierluigi Bragaglia descreve como é possível com algum grau de dificuldade atingir a Fajã da Quebrada Nova pelo litoral desde a Ponta do Albarnaz. Flores 76 Flores 80

NO TRILHO PONTA DO ALBARNAZ-FAJÃ GRANDE

Já deixara para trás o Corvo e o Farol da Ponta do Albarnaz. Por diversas vezes, no início do trilho pensei em voltar para trás e fazê-lo com galochas no dia seguinte. Nesta altura do ano e apesar do repentino bom tempo que abençoou a Ilha das Flores no fim do mês de Novembro de 2012, os trilhos estão repletos de lama, água e pedra escorregadia. Flores 72 Flores 71 As vacas encarregam-se em determinadas zonas de tornar os trilhos praticamente intransitáveis. Outras vezes, são árvores, quase sempre cedros do mato que caíram na última intempérie e cortam os caminhos. Outras vezes ainda, é a água das ribeiras que transborda e obriga a atravessar a corrente de água ou pedra entre pedra ou com as botas dentro de águas. Exceptuando esses pormenores mais difíceis de uma caminhada nas Flores no Inverno, tudo é resto é deslumbrante. Os coelhos atravessam-se repentinamente à nossa frente. Numa clareira são três vacas que me esperam assustadas e fogem justamente para o trilho, entre ramadas de cedro do mato. O som da água das ribeiras a despenharem-se para o mar, o chilrear dos pássaros e o rumor das ondas lá em baixo acompanha a caminhada num oceano verdejante de pastos, amontoados de cedro e a Vigia da Rocha Negra ao fundo. Flores 75 Flores 73 Flores 79 Flores 78

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

PONTA DO ALBARNAZ

O mundo parou ali, na Ponta do Albarnaz, um farol afundado em pastagens, sobranceiro às ravinas e ao canal entre as Flores e o Corvo. Flores 68 Flores 67 Flores 69 Flores 70

A CAMINHO DA PONTA DO ALBARNAZ

Entre Ponta Delgada e a Ponta do Albarnaz, na extremidade noroeste da Ilha das Flores Flores 62 Flores 64 Flores 65 Flores 63 Flores 66

LUÍS ALVES, DIÁCONO E DINAMIZADOR DE PONTA DELGADA

Diacono Luís Alves, professor na reforma, diácono, ex-presidente da junta de freguesia e ex-presidente da Câmara de Santa Cruz das Flores, tocador e cantador, vive ali em Ponta Delgada, uma autêntica varanda aplainada e verde sobre a Ilha do Corvo. Apesar de ter nascido numa das mais isoladas e pobres freguesias da Ilha das Flores, nunca se resignou ao destino de grande pobreza. “Ui, eramos muito pobres”, recorda Luís, que conheceu a electricidade com 19 anos graças à instalação na zona dos radares franceses.“Havia uma família em Ponta Delgada que inclusivamente vivia numa furna”. Em casa de Luís Alves viviam do que o pai, agricultor que trabalhava em terras de outros, ganhava. Tínhamos um porco, plantávamos batata doce, batata branca, milho, feijão, couves…A nossa ceia era sopas de leite com pão de milho e papas grossas de leite”. Não tinham pão de trigo. “De vez em quando alguém mais rico dava-nos um bocado. Para ter farinha, levávamos a “moenda” (o milho secado) até a um moinho de água que aqui havia”. Ainda em casa, faziam manteiga e nata para vender. “Não existia numerário naquele tempo. A nata e a manteiga era entregue ao senhor da loja (mercearia) que a vendia à fábrica de leite e trocavamo-las por géneros”. Para conseguir ganhar algum dinheiro, íam apanhar sargaço. “Apanhávamos no Sítio do Vento, aqui na freguesia, 202 degraus para baixo e 202 para cima. O meu pai vendia ao quilo. O melhor sargaço era o que vinha enxurrado, batido. Escolhíamos o melhor e sempre dava para suportar a casa”. Foi com o dinheiro que ganhou no sargaço que Luís Alves teimou em estudar. “Comecei por estudar sozinho porque não tinha estrada para ir até Santa Cruz. Depois ía até Santa Cruz e fazia três anos de cada vez. Fui ter com um senhor dos Correios e com um senhor metereologista que me ensinaram Física e Matemática. A professora primária (ensino básico) que vinha aí é que me ensinou o inglês e o francês. Fui fazendo assim, candidatando-me como aluno externo, primeiro nas Flores e depois no Faial”. A chegada dos franceses e da sua base de radares para escrutinizar os mísseis que atravessavam o Atlântico mexeu com a pequena freguesia rural de Ponta Delgada. “Tivemos electricidade em 1969, mais cedo do que noutras zonas da ilha. Muita gente trabalhou nas obras de instalação de valas e electricidade e a população beneficiou do apoio médico dado pelos franceses”. Foram os franceses que construiram a estrada que hoje liga Ponta Delgada a Santa Cruz. Durante a primeira metade do século XX, os locais ou iam a pá ou apanhavam boleia da "lancha da nata", que transportava a nata para a vila. Na época em que os franceses se instalaram em Santa Cruz das Flores já Luís Alves cantava e tocava. “Eu, a minha esposa e o meu pai tocávamos e cantávamos música regional para os franceses, no Hotel que eles tinham em Santa Cruz. Normalmente, íamos lá quando chegava o avião de abastecimento deles, o Transal. Eu tocava viola ritmo, o meu pai tocava viola e a minha esposa cantava em dueto comigo”. Os militares franceses íam buscá-los e levá-los. “Não tínhamos carro. Tive o meu primeiro carro em 1985”. Além de professor, autarca e diácono, Luís Alves foi jogador de futebol, dirigente desportivo, director da Casa do Povo local e ainda do Grupo de Folclore da Casa do Povo da Ponta Delgada das Flores. Ainda hoje, o reportório deste último, tem por base as recolhas feitas por Luís Alves. Flores 60 Flores 61 “Andei pela freguesia a fazer recolha de temas juntos dos mais velhos”, conta. “Alguns foram trazidos de fora da ilha, como o “Vira”. No fim do século XIX, esteve a construir aqui o Farol da Ponta de Albarnaz um tal de João Figueiredo, conhecido como o João “Algarvio”. A minha avó dizia que tinha deixado algumas músicas e o “vira” era uma delas”. Foi com essas músicas recolhidas em Ponta Delgada que Luís Alves partiu para os arranjos coreográficos do grupo de folclore. “Notam-se diferenças em relação a outros reportórios porque vivíamos muito isolados mas eu acho que é a diferença de ilha para ilha e de freguesia para freguesia que faz a riqueza do folclore”. Luís Alves envolveu-se em práticamente tudo o que era a vida quotidiana e especialmente cultural de Ponta Delgada. “Fomos os primeiros a apresentar marchas de São João com letras e música minhas, celebravamosas Rondas dos Reis, a Passagem do Ano e o no Carnaval organizávamos danças de arco e espada, com um mestre e um contra-mestre vestidos à militar”. Entre 1980 e 2000, organizou uma tuna com violões, viola da terra, bandolins e violino e mantem um grupo, o “Vozes do Norte”, com mais cinco elementos. Catequista durante 35 anos e membro do coro da Igreja de Ponta Delgada, Luís Alves cursou teologia durante cinco anos e é actualmente um dos três diáconos dos Açores. “Só não posso consagrar a hóstia nem perdoar os pecados uma vez que sou casado. Meu Deus, eu às vezes não acredito na quantidade de coisas que faço ou já fiz”. Flores 58

NO CRUZEIRO

Este cruzeiro, construído nos anos 70 no Pico do Meio-Dia, parece suspenso sobre o casario de Ponta Delgada, perdido lá em baixo. O Corvo à minha frente, sempre ele. Dali desci directamente até às ruelas próximas à Igreja de São Pedro. Flores 53 Flores 52 Flores 56

ATÉ PONTA DELGADA

E de repente, passada uma cascata e mais umas tantas curvas e descidas em direcção ao mar, lá está Ponta Delgada, estendida junto a um pequeno promontório que tem a Ilha do Corvo em frente. Antes da chegada dos franceses e dos seus radares, instalados na zona, Ponta Delgada era juntamente com a Costa do Lajedo, dos lugares mais isolados das Flores. Flores 48 Flores 47 Flores 49

MUSGO JUNTO À ESTRADA

O musgo cobre como um tapete as ribanceiras ao longo da estrada para Ponta Delgada Flores 44 Flores 45

PONTA RUIVA-PONTA DELGADA

flores 42 flores 37 flores 43