segunda-feira, 28 de maio de 2012

P1050768 Começo então a atravessar pastos pela zona mais seca e plana da ilha, a caminho dos Anjos P1050772

ATÉ À BAÍA DOS ANJOS

P1050757 A costa já a caminho dos Anjos

DO PICO ALTO AO BARREIRO DA FANECA

P1050706 P1050725 Barreiro da Faneca P1050730

NO PICO ALTO EM DIA DE NEVOEIRO

P1050695 Nunca mais regressara ao Pico Alto desde que ali estivera em Fevereiro de 1989 a cobrir o horrendo e estúpido acidente de aviação que matou mais de 140 pessoas num charter que ía para a República Dominicana. Lembro-me de pormenores de que gostaria não me lembrar e recordo quando desci a uma freguesia, muito provavelmente Santa Bárbara ( já não recordo bem) e o padre mostrou as liras e dólares que a população recolhera e lhe entregara. Mostrou-me uma mão cheia de passaportes e notas que haviam voado desde o Pico Alto. António Moura, do Arrebentão, contou-me agora, quando o visitei, que nesse dia estava com a mulher a trabalhar nas vinhas de São Lourenço. "Ouvimos um bruuum muito grande e eu pensei que eram as obras do porto, em Vila do Porto. Depois, vimos coisas a boiar no mar e papeís a voar..." P1050701

DO ARREBENTÃO AO PICO ALTO

P1050670 Fui subindo até ao Pico Alto entre flocos de névoa que varriam a copa das árvores e a estrada P1050687

NO ARREBENTÃO COM A FAMÍLIA MOURA

António Moura, 78 anos e a esposa são conhecidos na Ilha de Santa Maria por não terem carro e andarem quase sempre a pé, como antigamente. Caminham até à baía de São Lourenço para tratar das vinhas que lá mantêm e fazem o mesmo se tiverem que tratar de uns assuntos em Vila do Porto. Caminhadas à parte, António, a esposa e o irmão, Manuel Freitas Moura, 81 anos, são um poço de sabedoria rural e de hospitalidade num rincão, a freguesia de Santa Bárbara, onde se vive de porta aberta, numa segurança que há muito se perdeu no continente. P1050824 António e o irmão Manuel foram os últimos moleiros de Santa Bárbara. Os moinhos ainda lá estão, desactivados, num prado verde envolvido, na manhã em que estive com eles, em neblina fina e húmida. “Os dois moinhos são da família mas só um é nosso. O meu pai esteve na América entre 1922 e 23, depois voltou, casou e construiu o moinho em 1929”. O pai ainda trabalhou sozinho. Mais tarde pagava a moleiros até os filhos crescerem. “Começámos nós a tomar conta do moinho. Depois os moinhos de vento começaram a afracar por causa das moagens de motor, deixámos de mão…” P1050823 Apesar de possuir moinhos de vento, a família sempre trabalhou a terra, hoje uma raridade em Santa Maria. “O meu pai tinha terras, vacas e um carro de bois. Eu tive os primeiros sapatos aos 23 anos. Tinhamos sempre pão em casa com fartura e comíamos couves e o queijo branco que a minha mãe fazia”. Naquele tempo, muita gente ía para a baía de São Lourenço trabalhar as vinhas. “Eram ranchos de pessoas. Hoje ninguém quer ir e tem vinhas abandonadas. Nós ainda vamos aguentando as nossas e fazemos vinho de cheiro para a gente. Dantes vendia-se todo e chegava-se a exportar pipas para São Miguel em barcos”. P1050830 Hoje, tal como na Ilha de São Miguel, a lavoura quase morreu em Santa Maria. Ao contrário dos micaelenses, contudo, os marienses não se viram para a produção de leite e preferem a da carne. “Aqui o negócio é a carne. O bezerro de Santa Maria é um luxo. Em São Miguel é preciso uma dúzia deles para pesar o que um pesa aqui”, diz António. A emigração esvaziou a ilha mas António vê-a como uma bênção. “Havia muita fome, não havia que vestir, que calçar. Quando o padre António Leite chamou a atenção em São Miguel que havia aqui muita gente a precisar de emigrar, foi muita gente. Foi bom para os que foram e bom para os que ficaram”. Os que não emigraram ficaram com as terras dos que partiram : “Sempre limpávamos os prédios e recebíamos uma rendazinha”. Dos Estados Unidos começaram a chegar os bens que dantes eram escassos. Primeiro, farinha, leite, mais tarde roupas. P1050817 A maioria dos emigrantes de Santa Bárbara, no entanto, estão no Canadá. A mulher de António tem lá toda a família. “Já lá fomos, é “snow” (neve) por todo o lado. Eu gosto mais disto aqui, aqui sempre trabalho por conta própria. Nunca trabalhei mandado.” P1050799

DE SANTA BÁRBARA AO ARREBENTÃO

P1050655 Quando deixei Santa Bárbara, a névoa começava a apoderar-se de tudo, como uma manta sobre as casas. P1050662 P1050665

SANTA BÁRBARA E O SEU ÚLTIMO REGEDOR

P1050636 P1050641 O ex-regedor de Santa Bárbara, António Baptista, celebrou 90 anos no passado dia 20 de Abril. É de um tempo em que a freguesia vivia da plantação de batata-doce, milho e trigo, cozendo o pão em casa, à luz do candeeiro de petróleo. «A luz e a água canalizada só chegaram depois do 25 de Abril». P1050644 Em 1962, escolheram António para Regedor de Santa Bárbara. «Fui escolhido devido ao meu bom comportamento". Enquanto trabalhava na moagem e na mercearia e loja de fazendas do pai, era a autoridade da pequena freguesia, na altura ainda com cerca de mil habitantes. «Hoje tem uns 400 e poucos, muita gente emigrou para o Canadá». A pobreza em Santa Bárbara, como em muitas freguesias açorianas, levou muita gente a emigrar, sobretudo depois do padre local ter dado conta ao Governo Civil em Ponta Delgada da situação real que se vivia ali. Foi feito um rastreio casa a casa. Debandou muita gente. A água e a luz eléctrica só chegariam a Santa Bárbara depois do 25 de Abril. «Penou-se muito, vivíamos aqui isolados, nem sequer um jornal tínhamos».

OS MEUS CAMINHOS EM SANTA MARIA

mapa S Maria Depois de ter, em São Pedro, ficado já relativamente perto de Vila do Porto e da zona do aeroporto, regressei à freguesia de Santa Bárbara, onde conheci o último regedor, o último moleiro, a artesã e poeta popular Ana Fontes e de onde parti entre o nevoeiro para subir ao Pico Alto, descer por entre o arvoredo até ao Barreiro da Faneca e daí por entre pastagens já da zona ocidental da ilha, até aos Anjos.

SÃO PEDRO

P1050562 As nuvens sobre o Pico Alto, como quase sempre

ESTRADA FETEIRAS-CHÃ DO JOÃO TOMÉ- SÃO PEDRO

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FÁTIMA, ILHA DE SANTA MARIA

P1050525 Esta ermida, à beira da estrada que segue para Chã de João Tomé, foi construída em 1925. A escadaria tem 150 degraus, o número das contas de um rosário e dez patamares representando cada um dos Mistérios do Terço. Era domingo quando lá passei e como quase tudo em Santa Maria, a ermida repousava na mais pacífica das quietudes. Pedi desculpa ao homem que lavava as escadas. Afinal de contas, ainda carregava comigo alguma lama do trilho enlameado do Norte. "Suba à vontade, para limpar é preciso sujar primeiro".
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NA ESTRADA ENTRE FETEIRAS E CHÃ DE JOÃO TOMÉ

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MIRADOURO LAGOINHAS

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LAMA NO TRILHO ENTRE NORTE E LAGOS

P1050461 E de repente, já não muito longe onde o trilho que liga Norte a Lagos é atravessado pela ribeira do Amaro, apareceu a lama, praticamente sem escapatória possível. Coloquei um pé numa pedra e quando ía a tentar conseguir um apoio seco e seguro para o pé direito...flop, a bota enterrou, de tal forma que tive de descalçar-me e içá-la. A bota, qual ser vivo, não queria obedecer-me. Raspei com a ajuda de uma cana o manacial de lama que a retinha consigo até a poder puxar. Quando a recuperei, foi a vez da bota do pé esquerdo se afundar na lama espessa do norte da Ilha de Santa Maria. P1050466 Caminhei com as botas emolduradas por uma camada robusta de lama até à ribeira que salta da falésia mais à frente. Foi lá que as lavei, sacudi, espremi, o que não impediu de seguir pelo asfalto da costa norte, entre Lagos e Feteiras, a fazer "plop, plop,plop".

CASCATA DA RIBEIRA DO AMARO

P1050454 Na caminhada até à costa norte, por cima de onde fica a recortada Baía do Tagarete, vi de repente aparecer-me ao longe esta queda de água, a cascata da Ribeira do Amaro. Mal sabia que pouco depois iria andar por ali aos tropeções na lama do trilho que liga Norte a Lagos.

A ESTAÇÃO LORAN

P1050621 Na minha caminhada até Norte, bastaria ter enveredado por um caminho à direita e teria ido dar ao complexo hoje fantasmagórico da Estação Loran, que a Marinha Portuguesa largou em 1977 e acabou vandalizado, ocupado por jovens veraneantes, objecto de grafittis e mensagens na parede de quem por ali passou em Verões mais ou menos recentes. O professor José Melo, meu dedicado cicerone enquanto permaneci na ilha, levou-me lá mais tarde, à arquitectura do abandono. P1050626 P1050635 A população da zona, em especial da freguesia de Santa Bárbara, fala com carinho e saudade da presença da Marinha e da Estação Loran no norte da ilha. Os enfermeiros da estação prestaram muita ajuda e serviço de saúde a quem vivia isolado e longe da Vila do Porto.

DE SÃO LOURENÇO AO NORTE

Para Norte, onde o mar volta de novo a embater numa costa recortada e solitária. Chegando lá, tenho a Ermida do Norte dedicada à Nossa Senhora de Lurdes à direita. Atravesso um grupo de casas imersas em verde e com uma névoa persistente em pano de fundo. No fim de um caminho, salto um muro para poder chegar mais perto da costa recortada. Finalmente, ao fim de um terreno de ervas altas, sempre a descer, a vista alcança o Ilhéu das Lagoinhas e as falésias que abrigam a Baía do Tagarete. O mundo só para mim. P1050451 P1050441 Quase não vi pessoas durante a minha caminhada até Norte. Por vezes, percebia que ali vivia alguém ou que alguém cultivara um pedaço de terra junto a casa. P1050444 P1050443 P1050427 P1050414 De vez em quando encontro ruínas mas é um facto de que encontrei muitas casas marienses recuperadas, grande parte usadas como casa de férias ou fechadas e à espera dos donos, emigrados "na América", no Canadá P1050413 A névoa cobrindo o interior da ilha e impelindo-me a continuar a caminhar junto ao litoral, desta vez até ao Norte.

POR ENTRE AS VINHAS DE SÃO LOURENÇO

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domingo, 27 de maio de 2012

ÉPOCA BAIXA EM SÃO LOURENÇO

P1050399 São Lourenço vista do trilho que recupera a escadaria em pedra entre as vinhas, muitas já abandonadas. Tal como a Maia, São Lourenço é nesta época do ano um mar de casas à espera do Verão. O mundo ali parou e repousa, respira devagar. Um ou outro pescador, um café que encontro miraculosamente aberto e onde uma mãe leva uma criança que procura outra para brincar. "Oh filha", responde a dona do estabelecimento, " ela hoje não veio..." A mãe explica-lhe que vai ter de se entreter a ver televisão. "Brincas para a próxima..." Não tarda volta a chover, a chuva tardia da primavera de 2012. P1050372 P1050384
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SÃO LOURENÇO VISTA CÁ DE CIMA

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