VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
segunda-feira, 28 de maio de 2012
NO ARREBENTÃO COM A FAMÍLIA MOURA
António Moura, 78 anos e a esposa são conhecidos na Ilha de Santa Maria por não terem carro e andarem quase sempre a pé, como antigamente. Caminham até à baía de São Lourenço para tratar das vinhas que lá mantêm e fazem o mesmo se tiverem que tratar de uns assuntos em Vila do Porto. Caminhadas à parte, António, a esposa e o irmão, Manuel Freitas Moura, 81 anos, são um poço de sabedoria rural e de hospitalidade num rincão, a freguesia de Santa Bárbara, onde se vive de porta aberta, numa segurança que há muito se perdeu no continente.
António e o irmão Manuel foram os últimos moleiros de Santa Bárbara. Os moinhos ainda lá estão, desactivados, num prado verde envolvido, na manhã em que estive com eles, em neblina fina e húmida. “Os dois moinhos são da família mas só um é nosso. O meu pai esteve na América entre 1922 e 23, depois voltou, casou e construiu o moinho em 1929”. O pai ainda trabalhou sozinho. Mais tarde pagava a moleiros até os filhos crescerem. “Começámos nós a tomar conta do moinho. Depois os moinhos de vento começaram a afracar por causa das moagens de motor, deixámos de mão…”
Apesar de possuir moinhos de vento, a família sempre trabalhou a terra, hoje uma raridade em Santa Maria. “O meu pai tinha terras, vacas e um carro de bois. Eu tive os primeiros sapatos aos 23 anos. Tinhamos sempre pão em casa com fartura e comíamos couves e o queijo branco que a minha mãe fazia”.
Naquele tempo, muita gente ía para a baía de São Lourenço trabalhar as vinhas. “Eram ranchos de pessoas. Hoje ninguém quer ir e tem vinhas abandonadas. Nós ainda vamos aguentando as nossas e fazemos vinho de cheiro para a gente. Dantes vendia-se todo e chegava-se a exportar pipas para São Miguel em barcos”.
Hoje, tal como na Ilha de São Miguel, a lavoura quase morreu em Santa Maria. Ao contrário dos micaelenses, contudo, os marienses não se viram para a produção de leite e preferem a da carne. “Aqui o negócio é a carne. O bezerro de Santa Maria é um luxo. Em São Miguel é preciso uma dúzia deles para pesar o que um pesa aqui”, diz António.
A emigração esvaziou a ilha mas António vê-a como uma bênção. “Havia muita fome, não havia que vestir, que calçar. Quando o padre António Leite chamou a atenção em São Miguel que havia aqui muita gente a precisar de emigrar, foi muita gente. Foi bom para os que foram e bom para os que ficaram”. Os que não emigraram ficaram com as terras dos que partiram : “Sempre limpávamos os prédios e recebíamos uma rendazinha”.
Dos Estados Unidos começaram a chegar os bens que dantes eram escassos. Primeiro, farinha, leite, mais tarde roupas.
A maioria dos emigrantes de Santa Bárbara, no entanto, estão no Canadá. A mulher de António tem lá toda a família. “Já lá fomos, é “snow” (neve) por todo o lado. Eu gosto mais disto aqui, aqui sempre trabalho por conta própria. Nunca trabalhei mandado.”
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