VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
terça-feira, 28 de agosto de 2012
COM OS BALEEIROS DO TOPO
Porto do Topo, Ilha de São Jorge. Um fim de tarde benigno permite a um grupo de homens jovens saír para o mar da ponta leste da ilha com o São José, um bote baleeiro que é uma réplica de um antigo que acabou soterrado ali perto. A Associação Cachalote, associação de defesa do património do Topo, restaurou-o e pretende agora criar na freguesia uma núcleo museológico.
O bote São José evolui ao sabor das ondas do fim da ilha, o ilhéu do Topo ao fundo. Os homens saem com ele para praticar, como desporto e se prepararem para regatas de botes baleeiros. Lá em cima, sentados no muro do porto, estão dois dos oito ex-baleeiros do Topo ainda vivos. Assistem às manobras de longe e indicam onde tudo se passava no seu tempo.
“Ali ao fundo eram as caldeiras onde se derretia o óleo. Onde está agora o bar”, afirma Augusto Correia, 82 anos, “Depois o tanque onde se guardava tudo era lá em cima, não me pergunte porquê. Acartavamos bidons de 200 litros cheios de óleo até lá acima, à espera que viesse o barco buscar. Eram vários, o “Furnas”, o “Girão”. Quando chegavam, tínhamos de carregar tudo para baixo outra vez”.
A baleação no Topo acabou em 1965. “Chegaram a ser arreados três botes aqui no porto do Topo”, conta Eduardo Borba, outro ex-baleeiro. “Por fim havia só um, o Maria Deolinda. Eu arreei com 16 anos, a fugir ao cabo do mar. Íamos para o mar do Pico, para o norte da Terceira, para onde elas andavam”.
O Topo era então uma freguesia muito pobre. A caça à baleia atraía todo o tipo de pessoas e o que se ganhava vinha ajudar a sobreviver. “Ninguém trabalhava só na baleação. Vínhamos para aqui às 8h00 da manhã todos os dias para que se houvesse baleia saíssemos depressa. Se não aparecia baleia, cada um ía à sua vida, uns íam amanhar a terra, outros trabalhar de carpinteiros”, conta Borba.
O pai de Augusto Correia, por exemplo, era oleiro,um oleiro micaelense que um dia assentou arraiais no Topo. “Era de Vila Franca do Campo. Um primo dele arreou à baleia. Tinha onze filhos. Para sustentar famílias dessas era preciso trabalhar em tudo o que aparecesse. Muitas das famílias do Topo viviam da baleia”.
A mercearia fiava às famílias dos baleeiros. “Só se pagava quando se recebia. Em dois anos, ganhei três mil escudos. A minha mãe foi à loja pagar. Quando regressou a casa, vinha toda contente com uma nota de mil escudos na mão, daquelas da Dona Maria e um quilo de açúcar. Até os olhos brilhavam: “A vossa mãe pagou tudo o que estava a dever e o senhor ainda me ofereceu um quilo de açúcar”. Respondi-lhe eu: “Mãe, esse quilo está pago há muito”.
Como outros baleeiros noutras ilhas, Augusto e Eduardo ganhavam muito pouco. Balearam em novos e acabaram por ir trabalhar noutras actividades mais lucrativas e mais seguras. “Fui para o mar pescar,andei seis ano na pesca da albacora (atum), andei a construir casas e a caiar,sachei muito milho”.
Actualmente, fala-se muito em criar um núcleo museológico sobre a baleação no Topo e Augusto Correia só quer ouvir falar na construção do núcleo ali. “Ora se a baleação era aqui, é aqui que o museu deve ficar. Já fui a uma reunião onde se falava em construir o núcleo numa freguesia do norte da ilha onde nunca se caçou a baleia. Não contem comigo para maisreuniões…”
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