sábado, 3 de novembro de 2012

O "BARBEIRO", O ÚLTIMO DOS BALEEIROS DO PICO

pico 88 Francisco Joaquim Machado vai perfazer 94 anos no dia seguinte. É um homem alto, ombros largos e seco de carnes, que tem orgulho em colocar o tradicional chapéu de palha na cabeça antes de falar dos velhos tempos. Apesar da manhã nebulada e chuvosa acaba de chegar da pesca. “Pesquei uns sargos para grelhar. Se toda a minha vida foi o mar, porque não hei-de pescar?” Na realidade, um apaixonado pela vida marítima numa vila, a das Lajes, consumida pela baleação, Francisco viveu como a maioria dos homens do Pico, entre as ondas e a terra. “Era baleeiro mas barbeiro também e ainda tinha vinho, batatas, laranjas e milho. Tinha de se ir buscar o dinheirinho a tudo”. Francisco trabalhou de barbeiro na tropa e instalou-se como tal nas Lajes mas difícil seria não se deixar envolver pela febre das baleias. “O meu avô era baleeiro e o meu pai também. Naquele tempo, nas Lajes, toda a gente ía às baleias para conseguir mais algum dinheiro”. Um tempo em que ter uma única profissão não era suficiente e em que a maioria só pagava a conta da mercearia quando recebia do armador. Os que mesmo assim não se governavam, emigravam. O “barbeiro” nunca emigrou, o que faz dele e dos seus cerca de 40 anos de caça à baleia um caso de exemplar veterania, premiada no dia em que o ex-Presidente da República Jorge Sampaio o condecorou. Ao som do foguete, o sapateiro largava a oficina, o agricultor deixava a enxada, o pedreiro saltava do andaime. “Eu pegava na bicicleta e ía. Uma vez deixei um homem a quem estava a cortar o cabelo na cadeira, a meio de um corte mas ele era baleeiro e também precisava de ir”. Dentro do bote e muito mais tarde ao leme de uma lancha, o barbeiro passava a velho lobo do mar. “Fui arpoador, depois passei a oficial e no fim pilotei uma lancha”. Em 40 anos, Francisco Joaquim Machado enfrentou e caçou dezenas de baleias. Algumas, poucas, deram-lhe água pela barba. “Às vezes aparecia a ponta do rabo da baleia e partia a canoa. Já nos últimos tempos, o vigia deu sinal de um cachalote. Arpoámos a baleia mas ela não foi para baixo como esperávamos”. Francisco deu ordens à tripulação para recuar o bote umas “30 a 40 braças” para que ela ficasse à proa. “Não foi o suficiente. A baleia veio rente ao bote com a cabeça e deixou-a caír devagarinho. Não o quebrou mas encheu-o de água”. O mestre Francisco mandou imediatamente cortar a linha não fosse a baleia arrastar tudo. “Pus a bandeira no ar, chamei a lancha e mandei mastro, palamenta e tripulação para a lancha. Eu era o mais velho, fiquei no bote depois de esgotada a água a balde”. De repente, o vigia avisa que a baleia continua por ali. “Fomos a terra, umas 5 a 6 milhas buscar outra canoa. Largámos a remos, demos com ela, sempre a bater por cima e por baixo. O arpoador pegou na lança e matou o cachalote. Depois amarrámos um cabo grosso à lancha e rebocámo-la para a fábrica de São Roque. Não se pisou ninguém”. A vida de baleeiro era perigosa e Francisco teve convites para a trocar pela mais rentável e segura pesca do atum. “Tive vários convites para mestre de uma traineira do atum. Perguntava à minha mulher o que ela achava e ela dizia que não percebia do assunto, dizia para eu decidir. Eu não dormia a pensar naquilo até que cheguei à conclusão: Para quê deixar uma vida que já conhecia por outra nova. Afinal de contas eu andava nas baleias desde os 17 anos…” Medo sempre teve. “Quem não tem medo é ignorante. Eu tinha medo mas o medo tem de ser afastado senão não conseguia enfrentar a baleia”. Já muitos entrevistadores lhe perguntaram pela “vida dura” da baleação. “Eu respondo sempre que sim, que era dura e perigosa mas que também é perigoso andar de avião, de autocarro. Há desastres em todo o lado. Em toda a minha vida de baleeiro morreram cinco ou seis tripulantes”. Um dia dos anos 80 do século passado, a actividade que dava vida a uma ilha inteira terminou. Francisco pertenceu à comissão instaladora do Museu dos Baleeiros nas Lajes. Quando o então Presidente da República Mário Soares o visitou, interpelou-o. “Perguntei-lhe porque é que não nos dava uma quota para apanharmos por ano 3 ou 4 machos. Era um pingo de água no Oceano. Respondeu que não, que a CEE não deixava…” As Lajes do Pico, que tinham chegado a ter 16 botes com sete homens em cada a caçar as baleias perdeu a sua principal actividade. Em 87, alguns ainda desafiaram a lei. Depois, cada um foi à sua vida. Uns foram para a pesca do atum, outros emigraram, outros ficaram com as profissões que já mantinham. Nesse ano chegou às Lajes o francês “pioneiro” de avistamento de baleias para turistas. Nasceram os museus e a memória da baleação já preservada em livro através de autores como Dias de Melo ficaria gravada em quatro paredes. Não têm faltado verbas para recuperação dos botes e construção de réplicas e são realizadas regatas em diversas ilhas. “Foi muito bom manterem as canoas e é pena não poderem manter uma pequena quota. Eu bem dizia ao Mário Soares: Senhor Presidente, são três ou quatro cachalotes, não representam nada. E ele sempre: “É a CEE, a CEE…”

Sem comentários:

Enviar um comentário