sexta-feira, 30 de março de 2012

O ÚLTIMO ALBARDEIRO

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Ía a deixar o bulício da Ribeira Grande e a preparar-me psicologicamente para a Ladeira da Velha, Porto Formoso e lombas e contra lombas quando deparei com a loja oficina de Carlos Manuel Paiva, 78 anos. “Entre, senhor, entre”, disse Carlos, abrindo as portas pequenas verdes que obstruíam a entrada: “Já se sabe, anda muita gente por aí, tenho de ter cuidado”.
Enquanto ía dando de comer aos canários, gaiola a gaiola, Carlos foi contando a sua história de correeiro e albardeiro tendo como pano de fundo as próprias albardas e selas e calhas de carroça vermelhas colocadas uma a uma numa prateleira. A um canto dessa mesma prateleira, uma “andilha”: “Aquilo senhor, era para as senhoras virem sentadas antigamente. É bonito, não é?”
Na porta interior da loja está escrita a data de início de actividade: Dezanove de Junho de 1953. Ali, naquele local, claro está, porque Carlos começou muito antes: “Ê querido, a vida foi muito difícil. Fiquei sem pai aos 8 anos. Aprendi de correeiro, tinha um primo que era correeiro. Depois, fui para um mestre para me desenrascar melhor mas não ganhava o suficiente, continuava andando de solas e meias rotas…”
Aos 18 anos, estabeleceu-se numa barraca. “Um senhor emprestou-me 500 escudos para me estabelecer numa barraquinha. Descontava cinco escudos por semana. Nunca me esqueço daquela pessoa e rezo pela alma dele”. Dali ainda passou por mais dois espaços depois de hipotecar a casa. “Mas eu já estava namorando esta casa. Vim para aqui em 1955, trabalhava dia e noite e a minha mulher cozia e a minha mãe também ajudava e mesmo assim custava a vencer”.
Foi uma época em que São Miguel, vivendo da lavoura e pecuária, consumia muitas correias e albardas. “Cheguei a ter três ajudantes. O último eu pulo para o caminho, ele pegava dinheiro e bebia…” A melhor época do ano era o Inverno: “Eu trabalhava mais no Verão à espera das chuvas, já se sabe, as albardas apodreciam e vendiam-se mais. E eu já sabendo, esperava pelo Inverno. Obra feita, dinheiro espreita…”
No início dos anos 50, saíu de São Miguel para servir na tropa em Lisboa. “Quiseram que eu fosse tirar o curso de correeiro, não foi de minha vontade mas tive de ir. Fui para a Fábrica de Equipamentos e Arreios, em Santa Clara, ao pé da Feira da Ladra”.
Voltou e não parou de trabalhar. Mostra-me as duas máquinas de coser, uma delas com mais de cem anos. Protege-as com caixas de madeira cada uma compradas a seu tempo em segunda mão.
Hoje, Carlos Paiva é praticamente o último albardeiro da Ilha de São Miguel: “Ê senhor, há outro mas eu vou dizer uma coisa ao senhor. Nunca levei mais de 25 euros por uma albarda, ele leva cem para fazer uma”. Há uma, de estimação, guardada noutra divisão: “Esta, eu dei à minha filha que é professora”.






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Após um dia e uma noite de chuva, veio o bom tempo. Quinta-feira na Ribeirinha

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