VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
NA OFICINA DE VIMES DE MANUEL MORAIS
Ía a atravessar Terra Alta, vindo da Piedade e apressava-me para chegar ao antigo centro de construção naval de Santo Amaro quando vi uma placa a anunciar cestos de vimes. Parei. De repente, de uma porta aberta, um homem sentado no chão gritou: “Entre, entre!” Era Manuel Morais, o último homem a fazer artigos em vime na ilha. “Antigamente, todas as freguesias tinham gente a fazer cestos. Não existia o plástico e o cesto era necessário para a vindima, para a apanha do milho”.
Manuel Morais trabalhou 37 anos na fábrica de lacticínios Martins & Rebelo cujos postos de recolha abandonados ainda se podem ver à borda das estradas. “Faliu, virei-me para a agricultura”. Ao fim de 16 anos a lavrar milho e inhame e a tratar das vacas, reformou-se com a reforma da PAC. Nessa altura, dedicou-se ao vime que o leva a trabalhar 16 horas por dia e a correr aos fins de semana as festas e feiras da Ilha do Pico. Ainda no fim de semana passado o vi com a sua carrinha de caixa aberta carregada de vimes na festa das Terras Altas, Lajes do Pico.
“Eu vou a todo o lado mas há muita gente que sabe onde eu moro e trabalho e desloca-se aqui. Este ano graças a Deus foi um ano bom, tivemos muito turismo e muitos emigrantes a comprar”, explica.
O que Manuel Morais mais vende são os cestos em vime, os “açafates” que carregam as rosquilhas nas festas religiosas. “E ainda há quem use os cestos para a vindima e para o milho. Os produtos dentro do plástico apodrecem ao fim de um mês enquanto no vime podem estar um ano que não apodrecem”.
Outro produto procurado pelos emigrantes é o cabaz ou a miniatura do cabaz em vime que os baleeiros levavam com comida para dentro dos botes. “É uma forma de recordarem o que tinham aqui na Ilha do Pico”.
Agora, no Inverno, Manuel Morais trabalha já para o próximo Verão. “Tenho de trabalhar muito agora porque nessa altura é tempo de vender”. Lá para Janeiro, agricultores de toda a ilha cortam vime e vêem vender. “Das Bandeiras aos Foros, cortam e vêem aqui vender-mo, já sabem que eu preciso”.
Depois, quem coze o vime durante horas é Manuel Morais. “Pensava que eles já mo traziam cozido? Sou eu”, responde a rir.
A Câmara Municipal de São Roque do Pico fez-lhe recentemente uma homenagem- “talvez eu não merecesse tanto, sei lá”- mas do que Morais gostava mesmo era que alguém continuasse a arte. “As pessoas que quiserem podem vir aqui que não pagam nada para aprender. Precisam é de ter vontade de aprender. Isto dá trabalho. Um garrafão leva oito horas a empalhar, uma garrafa quatro”
E as escolas? “As escolas podiam desafiar alunos a aprender e eu não me importava de ir um dia por semana a São Roque e outro dia à Madalena. Para que esta arte não se perdesse, está a compreender?”
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