VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
DA MADALENA À HORTA
Deixei a Madalena num dia de sol. Lastimável o estado da velhinha Espalamaca, a apodrecer no porto. Merecia ser restaurada para recordar as incontáveis viagens entre o Pico e o Faial. Sinal dos tempos, aportei na Horta no recente e moderno Terminal. Cimento, muito cimento.
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
A ILHA DA CHAMARRITA
NO PICO ACIMA DAS NUVENS
ATÉ AO CACHORRO E CAIS DO MOURATO
O LAGIDO OU A CELEBRAÇÃO DO VINHO
No Lagido descubro a face mais turística e promocional das adegas do Pico, esse lugar que quase todas as famílias preservam ao longo da costa como altar de celebração dos prazeres da vida. Ali descem para sorver o vinho, provar caldo de peixe ou as últimas lapas grelhadas apanhadas pelos vizinhos, em especial no Verão. A afluência de muitos turistas e forasteiros para passar os meses de Julho a Setembro no Pico transformou muitas adegas. O Lagido é o lugar ideal para ver como elas eram, em especial junto ao e no Museu do Vinho. Lá está o lagar com a velha prensa em madeira, lá estão os alambiques, as pipas...
PELAS TERRAS NEGRAS ATÉ AO LAGIDO
É uma região de negrume a que percorro de Santa Luzia até ao Lagido. Aquele emaranhado de lava solidificada e as suas mais diversas formas são testemunha viva do que foi o Pico, de como este se ergueu do alto do vulcão e se derramou. Calculo que a zona seja especialmente predilecta de geólogos e vulcanólogos. Admirável o povo que sobreviveu num chão deste calibre.
SANTA LUZIA EM DIA DE PROCISSÃO
O céu turvo abate-se sobre as cabeças dos paroquianos da pequena freguesia de Santa Luzia. O vento faz rodopiar as bandeirinhas coloridas em redor da Igreja, construída em 1723 após uma erupção vulcânica na zona. Padre e congregação interrogam-se se deverão manter a procissão ou não. O andor sai numa súbita e benigna aberta que o céu concedeu aos fiéis, dá uma volta à pequena praça varrida pelo vento frio e regressa ao templo.
SÃO ROQUE DO PICO
DE SANTO AMARO A SÃO ROQUE
Acontece com frequência no mar dos Açores e tive a possibilidade de assistir enquanto caminhava da Prainha até São Roque. Uma mancha de água da chuva, uma cortina de vapor avançava dos lados de São Jorge em direcção ao Pico embranquecendo o Oceano à sua passagem.
Já em São Roque passei junto a um exemplar magnífico de arquitectura baleeira. Esta casa, conhecida na ilha como "Casa Azul", respira a influência das casas americanas trazida pelos tripulantes picoenses que labutaram nos navios baleeiros americanos. As varandas, o pórtico, a torre em madeira são influências trazidas da costa leste dos Estados Unidos, nomeadamente de New Bedford.
O mar do Pico, esse, nunca dá tréguas. A marginal que segue até ao Cais do Pico testemunha essa batalha furiosa entre as vagas azuis e as rochas encarquilhadas que mais parecem dentes negros espumando baba branca.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
NA OFICINA DO MESTRE JOÃO ALBERTO
“A fibra de vidro está na moda, percebe? Livram-se de calafetar, tudo bem mas havia de haver uma escola onde os jovens que quisessem aprendessem a construir a arte de construir em madeira”.
Bati à porta do Mestre João Alberto das Neves num dia de borrasca. Desde o dia anterior que vagas sucessivas arremetiam contra o molhe em cimento do cais de Santo Amaro, na costa norte da Ilha do Pico. Mais adiante, rochedos negros e afiados libertavam espuma branca como baba em fúria.
Ali por perto e infelicidade minha, o museu privado de construção naval de Santo Amaro estava fechado. A freguesia foi sempre um grande centro de construção naval e João Alberto, juntamente com outros mestres, um dos seus artífices. Recentemente foi homenageado numa exposição organizada pelo Museu do Pico e exibida no Museu da Indústria Baleeira em São Roque.
No prefácio ao livro da exposição, Manuel Francisco Costa, director do Museu do Pico explica que homenagear o Mestre João Alberto é também revisitar “a memória dos Mestres Manuel Bento, Manuel Joaquim Melo, José Melo, José Teixeira Costa e Júlio de Matos, e a de todos os mestres, contra-mestres, carpinteiros e restantes trabalhadores que participaram na epopeia da construção naval em Santo Amaro e no Pico”.
Quando chegou a Santo Amaro em 1961, vindo da sua nativa Urzelina, em São Jorge, Santo Amaro era palco de muitas construções de navios: “Era um movimento muito grande. Havia aqui três mestres e esses três não davam para as encomendas”.
João Alberto das Neves foi trabalhar para o estaleiro do Mestre José Teixeira Costa. “Trabalhei com ele até 1972. Construímos 17 traineiras”. Foi então que se estabeleceu por conta própria. Ao todo, ao longo dos tempos, construiu 50 embarcações. Só atuneiros de grande porte para a chamada “Frota Azul” foram 10. “Tinha havido uma paragem grande na construção e o governo regional apostou na construção da frota azul. O mestre José Costa ainda fez dois antes de morrer, eu fiz 10”.
Hoje, o mestre João Alberto das Neves lamenta o estado a que chegaram embarcações emblemáticas da região. “Mal empregadas…a lancha Espartel está a apodrecer, a Espalamaca também. Foi morrendo tudo, restam quatro traineiras que construí”. A construção em madeira decaíu muito. Uma das razões é a fibra de vidro, outra é a protecção ao cedro do mato. “Tinhamos o cedro do mato para trabalhar. Inventaram que o cedro do mato está em extinção. Deviam deixar uma quantidade de cedro destinada a construir. Todos esses atuneiros que eu fiz foram com cedro do mato.
Agora, o mestre dedica-se a pequenas reparações. “Sim, reparações pequenas. Neste momento estou na Madalena a reparar um barquinho em madeira e fibra”. De vez em quando faz miniaturas. Um exercício de nostalgia. Na oficina há dezenas de fotos dos 50 botes, lanchas e traineiras que foi construindo ao longo da vida mas várias miniaturas em madeira: “Tinha aqui um começado mas depois o senhor foi para a América, nunca mais o vi. Ainda aqui estão os tirantes…”
EM SANTO AMARO NUM DIA DE MAR TURBULENTO
Passei junto à Escola de Artesanato de Santo Amaro e já dali podia ver as ondas muito brancas a abaterem-se sobre o betão do pequeno porto em vagas sucessivas. O mar do Pico em fúria hipnotiza, sobretudo quando se abate sobre as rochas negras e afiadas. Naquele caso, o que me impressionava era a propria fragilidade de uma estrutura feita para suportar grande ondulação. A dado momento, decidi bater em retirada quando o mar invadiu o porto e...as minhas botas.
NA OFICINA DE VIMES DE MANUEL MORAIS
Ía a atravessar Terra Alta, vindo da Piedade e apressava-me para chegar ao antigo centro de construção naval de Santo Amaro quando vi uma placa a anunciar cestos de vimes. Parei. De repente, de uma porta aberta, um homem sentado no chão gritou: “Entre, entre!” Era Manuel Morais, o último homem a fazer artigos em vime na ilha. “Antigamente, todas as freguesias tinham gente a fazer cestos. Não existia o plástico e o cesto era necessário para a vindima, para a apanha do milho”.
Manuel Morais trabalhou 37 anos na fábrica de lacticínios Martins & Rebelo cujos postos de recolha abandonados ainda se podem ver à borda das estradas. “Faliu, virei-me para a agricultura”. Ao fim de 16 anos a lavrar milho e inhame e a tratar das vacas, reformou-se com a reforma da PAC. Nessa altura, dedicou-se ao vime que o leva a trabalhar 16 horas por dia e a correr aos fins de semana as festas e feiras da Ilha do Pico. Ainda no fim de semana passado o vi com a sua carrinha de caixa aberta carregada de vimes na festa das Terras Altas, Lajes do Pico.
“Eu vou a todo o lado mas há muita gente que sabe onde eu moro e trabalho e desloca-se aqui. Este ano graças a Deus foi um ano bom, tivemos muito turismo e muitos emigrantes a comprar”, explica.
O que Manuel Morais mais vende são os cestos em vime, os “açafates” que carregam as rosquilhas nas festas religiosas. “E ainda há quem use os cestos para a vindima e para o milho. Os produtos dentro do plástico apodrecem ao fim de um mês enquanto no vime podem estar um ano que não apodrecem”.
Outro produto procurado pelos emigrantes é o cabaz ou a miniatura do cabaz em vime que os baleeiros levavam com comida para dentro dos botes. “É uma forma de recordarem o que tinham aqui na Ilha do Pico”.
Agora, no Inverno, Manuel Morais trabalha já para o próximo Verão. “Tenho de trabalhar muito agora porque nessa altura é tempo de vender”. Lá para Janeiro, agricultores de toda a ilha cortam vime e vêem vender. “Das Bandeiras aos Foros, cortam e vêem aqui vender-mo, já sabem que eu preciso”.
Depois, quem coze o vime durante horas é Manuel Morais. “Pensava que eles já mo traziam cozido? Sou eu”, responde a rir.
A Câmara Municipal de São Roque do Pico fez-lhe recentemente uma homenagem- “talvez eu não merecesse tanto, sei lá”- mas do que Morais gostava mesmo era que alguém continuasse a arte. “As pessoas que quiserem podem vir aqui que não pagam nada para aprender. Precisam é de ter vontade de aprender. Isto dá trabalho. Um garrafão leva oito horas a empalhar, uma garrafa quatro”
E as escolas? “As escolas podiam desafiar alunos a aprender e eu não me importava de ir um dia por semana a São Roque e outro dia à Madalena. Para que esta arte não se perdesse, está a compreender?”
PELO LITORAL NORTE DO PICO EM DIA DE CHUVA
A chuva lustra o asfalto e o verde das videiras e das figueiras. Desta vez não aconteceu como em São Mateus, do outro lado da ilha, quando um grandioso arco-íris cobriu o pano do céu de uma ponta à outra. Foi pouco depois de ter descido ao Porto do Calhau que as bátegas fustigaram com intensidade a estrada numa zona mais arborizada.
ATÉ À PIEDADE
domingo, 11 de novembro de 2012
ATÉ À PONTA DA ILHA
A Ponta da Ilha é um mar de rochas negras e de antigas adegas do verdelho. Entre a Manhenha e a Piedade passo por incontáveis muros de pedra e vestígios do que dantes eram vinhedos. As pedras negras são ali, como em outras zonas da Ilha do Pico, símbolo de adversidade. "O Pico era a ilha maldita, incultivável e a sua gente só permaneceu graças a uma grande obstinação, tenacidade e capacidade de resistência enormes. Foi sempre muito difícil ficar aqui e exigiu sempre uma capacidade de trabalho na terra e no mar sem limites", explica Manuel Francisco Costa, director do Museu do Pico.
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