VIAGEM A PÉ PELAS NOVE ILHAS DOS AÇORES REALIZADA EM 2012 PELO JORNALISTA NUNO FERREIRA (REVISTA EPICUR E REVISTA ONLINE CAFÉ PORTUGAL, autor do livro "PORTUGAL A PÉ", EDIÇÃO VERTIMAG) APOIO VERTIMAG, Pousadas de Juventude dos Açores e SATA Contacto: nunocountry@gmail.com
sábado, 15 de setembro de 2012
"O MELHOR LUGAR DO MUNDO"
“ Isto aqui é um lugar santo”, explica António Baltazar, um dos poucos moradores a tempo inteiro da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, na Ilha de São Jorge. “Vivo com o silêncio, o ar puro, a natureza. Temos ameijoas na lagoa, lapas fresquinhas na maré vazia, polvo, sargos, congros, meros na costa aqui perto. Qual é o lugar do mundo melhor para viver que este?” Baltazar abre as mãos: “Eu não conheço”.
Por cima da casa em pedra de Baltazar, as nuvens brincam às escondidas com o recortado verde da montanha que desce e acaba reflectindo nas águas da lagoa. Um pouco mais à frente, a ermida de Santo Cristo em branco e negro enfrenta o mar, que balança sobre os calhaus onde um casal de surfistas namora em paz sob o céu de penumbra.
Agosto é um mês mais animado na Caldeira, classificada de reserva natural pelo governo regional e frequentada pelos surfistas devido à ondulação da zona. Vêem os “americanos” ( gente da ilha emigrada nos Estados Unidos e no Canadá) e um maior número de turistas para calcorrear o mais famoso trilho da ilha, entre a Serra do Topo, a Caldeira de Cima, a fajã da Caldeira de Santo Cristo e a fajã dos Cubres.
A animação termina em Setembro depois das festas do Senhor Santo Cristo. A Fajã fica novamente entregue a Baltazar, mais meia dúzia de moradores e peregrinos que apareçam a pé em promessa ao padroeiro. “Fica sossegado mas é aqui que eu gosto de estar”, explica António, que nasceu na vizinha Fajã do Tijolo e vive ali desde criança. “O meu pai era pescador e agricultor. Pescava congro, abrótea, boca begra, moreia para secar e a gente comer durante o ano”. Além da pesca, semeavam as terras da fajã com milho, batata, inhame e criavam vacas, ovelhas e cabras. “Vivia aqui muita gente e tudo era cultivado. Tinhamos padre e correio às quartas e sextas. A camioneta que fazia a carreira Topo-Velas deixava uma saca de lona lá em cima que depois era aberta aqui em baixo”.
Em 1960, conta Odília Teixeira no livro “Ao Encontro das Fajãs”, foi ali inaugurado um posto público de telefones e mais tarde uma rede eléctrica alimentada por um pequeno gerador. Foi também construído um cais no interior da lagoa para “facilitar a varagem dos barcos” mas o canal entre a lagoa e o mar acabou por entulhar.
As comunicações ali nunca foram fáceis. “Agora há essas motas que andam entre aqui e os Cubres mas dantes não havia ligação aos Cubres. Tinhamos de subir e descer a pé a serra e apanhar a carreira de autocarros Topo-Velas”.
A pobreza levou muitos dos que ali viviam a ir emigrando. António Baltazar emigrou pela primeira vez em 1970 para França e dois anos mais tarde para o norte do Canadá, mais precisamente para Pinepoint, no Estado de Northwest Territories, onde se juntou a um irmão. “Ele era camionista. Eu andei a limpar escritórios. Mas era muito frio e o próximo hospital ficava em Edmonton, a 800 milhas a sul. Quando a minha mulher ficou grávida, viemos embora”.
Em 1980, acabado de chegar do Canadá, António e a família são surpreendidos na Fajã da Caldeira de Santo Cristo pelo sismo de 1980. “Tombou a rocha por aí abaixo, era árvores, era entulho e ficámos aqui isolados três dias. Os mais novos e os mais velhos saíram em botes para a fragata mas a gente ficou aqui. Tinhamos leite, pão, carne de porco da última matança e aguentámos aí até saírmos de helicóptero”. Os animais andavam soltos pela Fajã. “Havia gado enterrado na lama, os porcos e as galinhas andavam à solta”.
Ao todo, na Fajã Redonda (hoje abandonada), fajã da Caldeira e Fajã dos Cubres António calcula que vivessem 300 pessoas. Se muitos já tinham emigrado, com o sismo emigrou muito mais gente. “O mal disto tudo foi o governo da altura ter criado um bairro para os desalojados na costa sul, na Ribeira Seca. Diziam que quem quisesse vir vinha à sua responsabilidade. Ora, despovoou-se a Caldeira e muitas fajãs ficaram abandonadas”.
António é da opinião que era possível ter recuperado as casas. “Muitas precisavam só de uns retoques. Tinhamos aqui carpinteiros, mestres de construção, só precisávamos de cimento e ferro e gente para fazer. A Caldeira ficou sem gente”.
Aos poucos, António começou a regressar à Caldeira. “Vinha a , cavalo pela serra. Comecei a vir de férias. Até que voltei definitivamente em 92. Estavam aqui quatro a cinco casais, mais ou menos como hoje. Eu e a minha mulher sempre gostámos disto. Ainda tenho gado, cabras, milho, batata. O milho que para aí está é ou meu ou do meu cunhado…”
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Muito bonitas as fotografias. Um sítio espantoso!!! Obrigada.
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